Ponto Cru: José Diogo Costa

Ponto Cru

August
2025

Ponto Cru: José Diogo Costa


Ponto Cru é uma rubrica que explora primeiro o lado pessoal e depois o profissional dos seus convidados. O convidado que se segue é José Diogo Costa, chefe do William, no Reid's Palace, no Funchal, Madeira, com uma estrela Michelin e que em 2025 foi distinguido com o prémio “Young Chef Award”.



Se fosses um ingrediente, qual seria e porquê? 

Carvão. Porque tem fogo por dentro, liga-se à tradição e à transformação. O carvão tem a capacidade de marcar sabores com uma identidade muito própria, de cozinhar de forma primitiva e honesta. Para mim, a cozinha é isso: intensidade e verdade.



Qual é a tendência gastronómica atual que menos te agrada e porquê? 

A obsessão com a estética instantânea, de fazer pratos para a fotografia antes da memória. Sinto que, às vezes, se perde o propósito da cozinha: alimentar e emocionar. Prefiro um prato menos “instagramável”, mas que me conte uma história ou me deixe uma sensação que fica. Outra coisa que me incomoda especialmente é o abuso de moldes e formas artificiais. Tudo parece formatado, como se a natureza do produto não fosse suficiente. Gosto da imperfeição, da organicidade, do aspeto cru e real dos ingredientes — isso é o que dá alma ao prato.

Quando vais a um restaurante de fast food, qual é o teu pedido habitual? 

Sou honesto: é raro, mas, quando vou, não consigo resistir ao Big Tasty do McDonald’s. É aquele guilty pleasure que me transporta para uma memória de conforto simples, sem grandes pretensões. Com batatas, claro.

O que gostas de cozinhar quando estás em casa, longe do trabalho? 

Comida simples e de partilha. Um arroz malandrinho, uma açorda, grelhados e assados, pratos que deixam a cozinha cheirar a lar e onde o foco está no prazer de comer, não na performance.

Que música não pode faltar na playlist da tua cozinha? 

Depende muito da energia do dia, mas gosto de música que me faça fluir no pensamento sem me acelerar. Washed Out, por exemplo, é sempre uma boa companhia — aquele som tranquilo, quase hipnótico, ajuda-me a estar presente, a trabalhar com foco e equilíbrio. Na cozinha, não preciso de um ritmo frenético, prefiro um ambiente onde se sinta o momento, dentro dos timings certos. E, claro, no serviço há um respeito total pelo silêncio.

Qual foi o maior elogio que já recebeste por um prato que criaste? 

Para mim, os maiores elogios são sempre os mais humanos. Desde pessoas que me dizem que foi uma refeição equilibrada, com as quantidades certas, sem excessos, até quem reconhece arte no que fazemos sem nunca perder a simplicidade. Já me disseram que os meus pais devem ter um orgulho imenso em mim, e isso mexe comigo. Mas o que mais me marca é quando alguém, vindo do outro lado do mundo, diz que um prato que cozinhámos lhe fez lembrar um momento da infância. É aí que percebo que a comida encurta distâncias e o mundo fica mais pequeno.

Qual é o som mais satisfatório na cozinha para ti?

O silêncio depois do último passe da noite, quando a equipa respira fundo e há aquele sentimento de missão cumprida. Mas, se for um som propriamente dito… o barulho da faca a cortar algo perfeitamente crocante.

Se pudesses reivindicar a criação de um prato da cozinha portuguesa ou mundial, qual seria? 

Reivindicava o arroz de polvo malandrinho. É um prato de equilíbrio, de humildade, de respeito pelo produto e pelo ponto de cozedura. E, quando é bem feito, é puro prazer à mesa.

Que restaurante tradicional português acreditas que merecia uma estrela Michelin? 

Acho que temos várias casas familiares e regionais que mereciam um reconhecimento maior pela consistência e identidade. Recentemente estive na Casinha Velha, em Leiria, e fiquei fascinado pelo profissionalismo, seriedade, pela qualidade da comida e pela impressionante oferta de vinhos, runs e espirituosos. É uma casa que surpreende muita gente, já está no Guia Michelin, mas, na minha opinião, falta apenas aquele empurrão final para a estrela. É um exemplo claro de como a tradição, quando bem feita e respeitada, tem todo o potencial para ser elevada ao mais alto nível.

Qual é o teu maior sonho enquanto chefe de cozinha? 

O meu maior sonho é conseguir ser um exemplo, não apenas pelo que cozinho, mas pela diferença que faço e deixo nos sítios por onde passo. Que falem de mim não só pelos pratos, mas pela forma como tratei pessoas, como ajudei a construir equipas, como respeitei o território. Humanamente e profissionalmente, quero ser alguém que deixou uma marca positiva, alguém de quem se fale pela maneira como elevou o que tinha à volta.

Autor:

Manja Newsletter