Ponto Cru é uma rubrica que explora primeiro o lado pessoal e depois o profissional dos seus convidados. A convidada que se segue é Catarina Correia, chefe executiva do Casa de Chá da Boa Nova (duas estrelas Michelin), em Leça da Palmeira.
Se fosses um ingrediente, qual seria e porquê?
Se eu fosse um ingrediente, seria um peixe. Há algo de poético na liberdade com que se move, levado pelas correntes do mar. Representa para mim a ideia de viagem, de descoberta, de absorver diferentes culturas e sabores.
Qual é a tendência gastronómica atual que menos te agrada e porquê?
Uma das tendências que menos me agrada é a fusão excessiva no sushi, sobretudo quando se misturam ingredientes como frutas tropicais e queijo Philadelphia. Para mim, isso é um desrespeito à filosofia e estética do sushi tradicional japonês. A simplicidade, a pureza e o respeito pelo ingrediente principal são pilares da cozinha nipónica que se perdem nessas misturas forçadas.
Quando vais a um restaurante de fast food, qual é o teu pedido habitual?
Não sou particularmente fã de fast food convencional, mas se tiver de escolher, há um que me conquista sempre: um cachorrinho do Gazela. Pode até não ser considerado fast food, mas tem alma, tem identidade. É um ícone do Porto e um verdadeiro prazer simples.
O que gostas de cozinhar quando estás em casa, longe do trabalho?
Gosto de preparar um arroz frito, uma receita que aprendi com amigos tailandeses durante o tempo que vivi em Londres. É um prato simples, mas cheio de sabor e memórias. Representa aquele equilíbrio entre conforto e vivência multicultural.
Que música não pode faltar na playlist da tua cozinha?
“Tonight We Fly” dos Divine Comedy. É uma música que me eleva, que me faz sonhar e, ao mesmo tempo, me dá energia para criar.
Qual foi o maior elogio que já recebeste por um prato que criaste?
Recordo-me de uma arquiteta italiana que veio jantar a Casa de Chá da Boa Nova. No final da refeição, a senhora chorava copiosamente. Pensámos que estaria a discutir com o marido, mas afinal era a emoção provocada pela comida. Disse-me que nunca tinha experimentado nada assim na vida. Esse momento ficou me gravado, é para isso que cozinhamos.
Qual é o som mais satisfatório na cozinha para ti? (
Para mim, o som mais satisfatório é o som do silêncio. Aquele momento de calma, de concentração máxima, onde tudo está prestes a começar. É aí que se sente o respeito pela cozinha.
Se pudesses reivindicar a criação de um prato da cozinha portuguesa ou mundial, qual seria?
Línguado à meunière. É um prato que, na sua aparente simplicidade, revela uma precisão técnica e uma elegância que me fascinam. A delicadeza do peixe, o ponto perfeito da manteiga noisette, o perfume do limão e a frescura da salsa criam uma harmonia quase clássica. É cozinha francesa no seu estado mais puro, respeitosa, direta, sem artifícios, apenas o sabor a falar mais alto. É um prato que honra o ingrediente e exige do cozinheiro respeito e uma mão leve.
Que restaurante tradicional português acreditas que merecia uma estrela Michelin?
A Marisqueira Antiga. Ali sente-se o verdadeiro mar português no prato, tratado com respeito e autenticidade. Para além disso, o serviço de sala é exemplar, o que enriquece toda a experiência.
Qual é o teu maior sonho enquanto chefe de cozinha?
É ver a Casa de Chá da Boa Nova conquistar a terceira estrela Michelin. É um espaço único, com uma energia singular. Seria a consagração de uma visão, de uma dedicação absoluta à arte de cozinhar.
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