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Durante demasiado tempo, a saúde mental foi o grande silêncio das cozinhas profissionais. Num universo em que a pressão, os turnos longos e o sacrifício pessoal eram quase vistos como provas de devoção, falar de ansiedade, exaustão ou depressão era sinónimo de fraqueza. A imagem romantizada do chefe duro, irascível e infalível, muitas vezes amplificada por programas de televisão e por narrativas mediáticas, ajudou a perpetuar uma ideia perigosa: a de que a excelência só se atinge através da dureza. Mas a realidade é outra. O burnout tornou-se uma epidemia silenciosa na restauração, com taxas de esgotamento e de problemas psicológicos acima da média de outras profissões. Assédio, humilhação e isolamento são ainda demasiado frequentes em muitas cozinhas. E os dados de saúde pública não deixam margem para dúvidas: este é um problema estrutural, que atravessa países, tipos de negócio e gerações de cozinheiros. Felizmente, o verniz começa a estalar. Nos últimos anos, têm surgido mais denúncias, testemunhos e discussões abertas que trouxeram o tema para a ordem do dia. O que antes era escondido atrás da perfeição de um prato ou da adrenalina de um serviço agora começa a ser discutido sem filtros. Cada vez mais chefes reconhecem que a verdadeira resiliência não está em resistir até à exaustão, mas em saber parar, pedir ajuda e criar hábitos que permitam sustentar a criatividade a longo prazo. O desafio é profundo. Exige líderes que deem o exemplo, equipas que se sintam seguras e valorizadas, e modelos de negócio capazes de equilibrar paixão, rigor e qualidade de vida. Exige, sobretudo, que cuidar das pessoas deixe de ser visto como um luxo e passe a ser entendido como a base de qualquer cozinha bem-sucedida. A gastronomia é, antes de tudo, uma profissão feita de pessoas. Se queremos mesas cheias de histórias, sabores e memórias, precisamos de cozinhas onde a saúde mental não seja tabu, mas prioridade. Escutar, de verdade, é o primeiro passo. O resto depende de termos coragem para mudar.

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