Na gastronomia, como na vida, há encontros que mudam tudo. Atravessam-se mares, aprendem-se línguas, alteram- -se projetos de vida e, do outro lado, à nossa espera, há uma mesa posta, onde novos saberes e sabores se reinventam e ganham lugar. Neste número da manja, celebramos precisamente isso: as histórias de quem chegou de fora e fez da cozinha o seu território de expressão e pertença. «Sem Fronteiras» não é apenas um tema simbólico. É uma afirmação clara de que a cozinha é, e sempre foi, um lugar de cruzamentos. Os pratos que hoje chamamos nossos são, muitas vezes, fruto de viagens, trocas e adaptações. Não existe tradição sem influência. E Portugal, país que há séculos partiu mundo fora, é agora também porto de chegada para quem traz outras receitas, outras técnicas, outras formas de pensar a comida. Neste contexto, ouvimos as vozes de emigrantes que, com coragem, talento e persistência, escolheram viver, estudar e trabalhar em Portugal. Vieram de culturas distintas, mas encontraram aqui um espaço para criar, adaptar, contribuir. Trouxeram novos conhecimentos e, com eles, enriqueceram profundamente o panorama da restauração e gastronomia portuguesa. Estas histórias mostram-nos que partilhar e cozinhar é também resistir e criar pontes. Pertencer. Este número é também, inevitavelmente, um gesto político. Porque num tempo em que se normalizam discursos populistas e xenófobos, é urgente relembrar que a diversidade não é uma ameaça. A diversidade é uma riqueza. É urgente relembrar que os emigrantes não «pesam» na sociedade. Os emigrantes fazem parte dela, com trabalho, criatividade e um profundo sentido de comunidade. É urgente relembrar que as cozinhas portuguesas estão hoje cheias de sotaques diferentes e ainda bem! Ignorar esse contributo que a emigração nos dá, ou tratá-lo como secundário, é apagar uma parte fundamental da história gastronómica contemporânea. Acreditamos que o futuro da nossa cozinha se faz com mais vozes, mais heranças, mais ingredientes partilhados. E, por isso, esta edição é também um convite: a ouvir, a provar, a valorizar. A perceber. Porque, e nunca é demais dizê-lo, a ideia de «nós» é sempre mais rica quando inclui o «outro». Enquanto houver mãos a preparar comida com dedicação, não há fronteira que nos separe verdadeiramente.
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