Estamos na contagem decrescente para as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974. A Revolução dos Cravos foi um dos momentos mais altos da História de Portugal, pondo fim aos 48 anos da ditadura fascista e à guerra colonial e instaurando um regime de liberdade e democracia para a emancipação social e política dos trabalhadores e do povo. Ironia do destino, é no ano em que o país celebra os 50 anos dessa Revolução, marco simbólico na luta contra regimes autoritários, que ocorre a ascensão da extrema-direita em Portugal. No passado dia 10 de março, o Chega, que não fala a linguagem da liberdade nem do respeito pela vida humana, tornou-se, por eleição, o terceiro partido do sistema partidário democrático português. Lamentável! Ainda que se vivam tempos de instabilidade e apreensão na nossa democracia, na INTER magazine continuaremos a defender o direito mais fundamental: o direito ao mundo livre, à autodeterminação, e ao futuro. E foi essa liberdade que demos à Tamara Alves que, mais uma vez, nos brindou com uma bela ilustração. Desta vez, na contracapa, temos o corvo. É um pássaro inteiramente negro, cuja plumagem escura carrega uma grande carga simbólica, explorada, aliás, em várias manifestações artísticas. Seja para o bem, seja para o mal, o corvo não deixa indiferença à sua passagem. Podem associá-lo à sabedoria, à astúcia, à fertilidade. Ou a sinais de mau presságio, uma identidade obscura talvez por se tratar de um ser necrófago. Ou, ainda, ao que ele apenas é: a maior ave da família dos corvídeos. Para mim, há de ser sempre a personagem principal – o corvo falante – de um poema gótico e sombrio de Edgar Allan Poe. Nesses versos, traduz a idealização do amor, o subjetivismo, o egocentrismo e a consciência da solidão. A criatividade, diz, por sua vez, Tamara. E, na imagem, temos também a maçã, que simboliza a magia, a imortalidade, o conhecimento, e ainda outros elementos que sugerem, pelo contrário, o perecimento e a efemeridade. O ciclo natural da vida. Nascimento, vida, morte. Um ciclo rítmico com a função de facilitar o nosso processo de evolução. Tudo a renovar-se continuamente para poder existir. Assim acontece, também, com os alimentos que, com o tempo, trazem novos hábitos e interpretações sociais. E, como abordam alguns temas desta edição, novas formas de conservação, umas intrínsecas – fazem parte da natureza do alimento – outras influenciáveis pelo ser humano. E, por falar em influências e em tempo, é isso que pretendemos também neste início de ciclo: influenciar e ser influenciada. Seja a escrever, a fotografar, a desenhar, a cozinhar, a criar, a ler, a folhear, a partilhar, este é, seguramente, mais um ano para usarmos o nosso tempo da melhor forma.