Fogo Alto: Vítor Adão
Fogo Alto
Maio
2025
Fogo Alto: Vítor Adão

Vítor Adão já não é o mesmo de há seis anos — quando, após um longo percurso como chefe executivo do Grupo 100 Maneiras, abriu o seu primeiro restaurante a solo. Foi na Graça, em Lisboa, que nasceu o Plano, em 2019. Desde o início, o menu deixava clara a sua ligação às raízes transmontanas e a vontade assumida de dar voz aos pequenos produtores.

Essa missão mantém-se intacta, agora aliada a um olhar mais apurado sobre técnica, inovação e tradição, sempre com a terra natal como principal fonte de inspiração. O novo menu é reflexo desta evolução. Dividido entre o menu Origens (8 momentos, 95 €) e Raízes (11 momentos, 115 €), ambos com possibilidade de harmonização de 6 ou 8 vinhos (70 € e 90 €, respetivamente), revela agora uma cozinha ainda mais identitária.

Entre os destaques do novo menu está o prato “As Serras”, uma seleção de snacks servidos numa peça de barbotina idealizada pelo chefe em colaboração com o Studio Neves. A peça recria o território de Trás-os-Montes, com relevo para as suas serras, homenageando a diversidade da região. Da Serra do Larouco, por exemplo, surge uma combinação de chips de batata, puré de alho negro e couve-tronchuda grelhada; de Miranda do Douro, chega canhono mirandês grelhado, waffle crocante e raita.

Já entre os pratos principais no menu, destaca-se o lombo de porco Bísaro com berbigão, feijão-verde, puré de couve-flor fermentada, jus e pão de centeio frito — uma combinação que cruza técnica com a riqueza dos sabores tradicionais.

Em entrevista, Vítor Adão reflete sobre as influências deste novo menu e sobre o futuro do seu percurso.


Nestes seis anos de Plano, o que quiseste acrescentar de diferente nesta nova fase do restaurante?


Isto é um processo, um caminho, e nesta altura senti que já não fazia sentido o que estava a fazer, que era preciso evoluir, crescer. Eu não sou o mesmo Vítor Adão que era há seis anos. 


Quem és então? Como evoluíste?


A minha ideia de cozinha alterou-se muito. Enquanto antes olhava sobretudo para o produto, agora valorizo também a técnica, a inovação e a tradição. Acredito profundamente que inovação consolidada vira tradição. Ao longo destes anos, todas as viagens por Portugal e também fora fizeram-me refletir, amadurecer as minhas ideias e estilo.


Nos teus pratos sempre se refletiram os sabores ou inspirações de Trás-os-Montes. Em que se difere este novo menu?


Este menu é sobretudo diferente pelo conceito. Não é apenas sazonal, mas há uma tentativa muito grande de procurar o melhor produto endógeno de cada montanha, trabalhá-lo e dá-lo a conhecer, mantendo, claro, essa atenção à sazonalidade, mas expandindo também o foco à latitude, altitude e às influências que a zona foi sofrendo durante as últimas décadas.


Visitaste os produtores? O que nos podes contar dessa experiência?


Visito os mesmos produtores há cerca de 12/14 anos. O que consegui, neste momento, foi traduzir para o prato aquilo que conheço e vivencio há muitos anos e que nunca tinha conseguido trazer desta forma.


O que Trás-os-Montes representa para ti? Como manténs essa ligação?


Trás-os-Montes é casa, inspiração, inovação e tradição. Tento ir o mais frequentemente possível e a inspiração surge nas pequenas coisas a que não temos acesso todos os dias. Por exemplo, ir a andar pela aldeia, parar, conversar com alguém e darem-me a provar algo, que é uma coisa que acontece muito. Ou, ainda agora, há menos de um mês, estava a conduzir e vi rosmaninho selvagem a crescer nos montes, parei, apanhei-o e já o utilizei em molhos.

Momento do menu “As Serras”.


O momento “As Serras” destaca-se no menu. Como surgiu a peça? Qual foi a tua ideia?


Queria muito representar Trás-os-Montes de uma forma única. Lembrei-me de fazê-lo através dos principais produtos endógenos: Barrosã, Maronesa, Bísaro, Mirandesa, truta, batatas, couves, caça (neste caso, javali). E, depois de pegar na base destes produtos, comecei a perceber onde se encaixavam e como podiam brilhar. Daí ter escolhido oito peças. O processo de criação foi um bocadinho mais moroso e complicado. A Gabi, do Studio Neves, queria matar-me, dizia que nunca tinha feito uma peça tão difícil. Foram precisos muitos testes até chegarmos ao material ideal — barbotina, uma espécie de argila mais leve e resistente. Foi feito à escala, pintado segundo aquilo que é a realidade. E, depois, quando já tínhamos a peça feita, lembrei-me de que queria acrescentar mais uma serra, para o Canhono Mirandês. Conseguiram fazer a alteração, mas pediram-me para não ter mais nenhuma ideia nos próximos tempos (já tive, atenção). Foi um trabalho que levou cerca de um ano e dois meses a terminar, mas a parte mais gira foi explicar à equipa de sala onde encaixa cada serra, o produto e o porquê.


Nos últimos meses, o Plano tem recebido chefes para jantares a quatro mãos. Como surgiu a ideia? Que nomes podes adiantar para os próximos tempos?


A ideia de trazer chefes ao Plano partiu muito da equipa e de me questionarem por que é que fazia tantos eventos fora e não fazíamos nada no restaurante. Então decidi fazer este ciclo durante um ano, trazer um chefe por mês que fosse não só alguém que admiro mas também um amigo, porque é sempre diferente — a dinâmica com um amigo sente-se de forma diferente na mesa. E, em agosto, que é quando fazemos seis anos, a ideia é trazermos um chefe por semana. Em termos de próximos chefes, vamos receber o Paulo Alves dia 22 de maio, o Óscar Geadas em junho, e ainda o Henrique Sá Pessoa, o Leandro Carreira, o Iñaki Bolumburu, o Kiko Martins, o Louis Anjos e outros a confirmar.


Dirias que o Plano é o teu restaurante de sonho?


O Plnao, neste momento, é o meu restaurante de sonho. É claro que há sempre coisas a melhorar, áreas em que investir, mas, quando olho para trás e vejo o quanto evoluímos em seis anos, fico super orgulhoso do que conseguimos.


O que queres que o restaurante seja nos próximos anos? Para onde queres que evolua?


Quero que o Plano seja, cada dia, melhor e que continue a evoluir criativamente e a ser um palco daquilo que Portugal tem de melhor: produto, raízes e autenticidade.


Já tens referido a vontade de abrir um outro restaurante que foque na cozinha tradicional. Como estão esses planos?


Estão ótimos. Irá acontecer, não por moda, mas por ser a concretização de algo em que acredito.




Fogo Alto é uma rubrica da Manja Newsletter onde se fala sobre as últimas novidades no meio gastrónomico português, tais como restaurantes novos, lançamentos de cartas, eventos, entre outros.

Autor:

Catarina Amado

Fotografia:

Pedro Sadio